O Crime...continua... e a culpa diminui...
Será que o Código Penal que entrou em vigor facilita isso?
O artº 30º do novo CP dizem alguns que é ultrajante.
Que permite que, por exemplo os pedófilos possam ser condenados por um só crime... (continuado).
Antes de começar a especular, acho bem que se faça uma pausa e, para pensar.
A posição não é nova e já alguns Tribunais e , portanto, alguns juízes a defenderam, um pouco até, à revelia da maioria da jurisprudência ou seja da maioria das decisões proferidas pelos nossos Tribunais.
Ao princípio parece escandaloso tal posição ou tal entendimento .
Mas, caso a caso e se pararmos para pensar com serenidade, ponderação , analisando cautelosamente cada caso em si, talvez, se chegue à conclusão de que não será tanto assim.
Rezava assim antes da alteração o artº 30º do CP:
Concurso de crimes e crime continuado
1 – O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 – Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Após a alteração o artº 30º reza assim:
Concurso de crime e crime continuado
1-O nº de crime cometidos determina-se pelo número de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2- Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem juridico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3- O disposto no número anterior não abrange os crimes paraticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vitima.
Já antes desta alteração, alguns Juízes não achavam necessária e, ao arrepio da maioria da jurisprudência entendiam que, a facilidade que se criava ao agente , pela possibilidade de repetição do crime com a mesma vitima, tornavam a sua actuação num único crime na forma continuada.
E não achavam necessária porquê? Vou tentar explicar-me de forma clara.
Em regra, a violação de vários interesses jurídicos ou a violação repetida do mesmo interesse jurídico , do mesmo bem juridico,.suscita outros tantos juízos de censura, porque cada violação teve na sua origem uma resolução criminosa, uma vontade de actuar, um querer separado em cada actuação, por conseguinte, desenha-se a figura do concurso de crimes ou seja , há um cometimento de vários crimes.
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Todavia, se as diversas violações, embora emergentes de várias resoluções, dão lugar a um só juízo de censura, porque a actividade do arguido se encontra unificada por factores exógenos, relativos à determinação ou formação da vontade, tempo ou modo de actuação, por exemplo, que fazem diminuir consideravelmente a sua culpa, as diversas infracções unificam-se juridicamente sob a forma do crime continuado.
Todavia, se as diversas violações, embora emergentes de várias resoluções, dão lugar a um só juízo de censura, porque a actividade do arguido se encontra unificada por factores exógenos, relativos à determinação ou formação da vontade, tempo ou modo de actuação, por exemplo, que fazem diminuir consideravelmente a sua culpa, as diversas infracções unificam-se juridicamente sob a forma do crime continuado.
Ou seja:
Se o arguido actua, repetidamente sobre o mesmo bem, a mesma vitima, num espaço de tempo que se pode considerar curto, ou demasiado interligado, sentindo que lhe é facilitada a actuação,...a sua culpa ou a sua própria censura quanto ao facto torna-se diminuida, no sentido de diluída.
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Como diz o Prof. Eduardo Correia, em " Direito Criminal Vol. II, pag 209, " pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de forma considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando-se cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito".
Como diz o Prof. Eduardo Correia, em " Direito Criminal Vol. II, pag 209, " pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de forma considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando-se cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito".
A considerável diminuição da culpa está ligada a um momento exógeno da conduta.
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Quantos de nós não sentiram nunca que, passar com o sinal vermelho é proibido, mas como nunca somos multados, nem apanhados, começamos a fazê-lo logo que podemos, e repetimos a conduta, a infracção, e a censura ou auto censura diminui e, a actuação parece ser cada vez menos grave porque não nos surgem condições adversas à nossa actuação?
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E como é punido este crime?
E como é punido este crime?
Suponhamos que o agente comete 7 crimes de abuso sexual de menor.
Terá o Tribunal de lhe fazer um cúmulo juridico. Isto porque no nosso ordenamento juridico não se somam penas, antes se encontra entre um minimo e um máximo abstracto, uma medida concreta que será a pena final.
Que é o mesmo que dizer que, dentro do limite abstracto da pena, poderá escolher 7 vezes a pena a aplicar e, chegando ao fim, calcular dentro da soma das mesmas uma pena concreta e adaptada à medida da culpa do agente.
Suponhamos que aplicávamos as seguintes penas de prisão a cada um dos crimes:- 3, 4, 5, 3, 8, 6, 3, anos de prisão, tendo em conta que a pena abstracta é de 1 a 8 anos apenas
Poderíamos aplicar uma pena concreta compreendida entre 8 a 32 anos de prisão. ( é a pena minima por ser a mais alta das sete penas e 32 a máxima ou, a soma de todas).
Como a pena máxima que é possível aplicar é de 25 anos, pode o Tribunal atendendo ao caso concreto aplicar, por exemplo, e apenas a titulo exemplificativo, uma vez que nos faltam imensos elementos de facto, uma pena de 10 anos de prisão.
Vejamos agora como se puniria no crime continuado.
A culpa ou noção de culpa do agente foi diminuindo. Quer porque persistiu na sua conduta e isso lhe apagou ou nublou a censura do facto quer porque tal aconteceu pelo facilitismo exterior que lhe foi proporcionando a actuação.
Assim teremos um crime continuado apenas, em sete actuações. Com uma única resolução criminosa. Uma única vontade de praticar o acto que se prolonga no tempo em várias condutas interligadas por factores que a spropiciam e facilitam.
O crime continuado, de acordo com o disposto no artº 79º do CP é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.
Ora vejamos:
Temos 7 crimes.
E uma medida abstracta entre 1 a 8 anos.
Temos por exemplo uma conduta punida com 3 anos, outra com 4, outra com 5 , outra com 3 e outra com 8 anos, outra com 6 anos e finalmente os mesmos 3 anos das penas anteriores.
A pena a fixar só pode ser a de 8 anos por ser a da conduta mais grave.
___________________________Parece favorecer sem dúvida o arguido, mas se entendermos que estamos perante uma diminuição da culpa, uma diminuição da noção de culpa causada por factores exteriores...É justo que assim seja.
Importante:- O facto de a vitima ser a mesma, não determina só por si que estejamos perante um único crime na forma continuada.
O que não é justo é que na nossa cultura ainda se continue a punir mais severamente os crimes contra o património que os crimes contra as pessoas.
O que seria sensato senhor legislador, era subir as medidas abstractas nos seus máximos legais neste tipo de crimes.
O que seria importante era começar a entender que, as nossas crianças, homens de amanhã, são mais importantes que os nossos carros e as nossas casas , e todos outros "nossos" bens materiais!
Porque essa forma de pensar , é sim, realmente ultrajante.
Porque essa forma de pensar , é sim, realmente ultrajante.
ACCB
Etiquetas: justiça
21 Comentários:
Parar para pensar (antes de apanhar a onda) é sempre um bom conselho.
Eu não li o postal todo. Mas estou de acordo, pela entrada. Pela razão simples de que ontem andei a verificar e cheguei à mesma conclusão. Não me peça que explique, porque eu sou assim, um tipo que não gosta de ousar - e quando ousa, deixa de ter amigos, paciência, pois, então.
De qualquer modo, não é inocente a alteração. Acho.
O que verdadeiramente está em jogo - e sempre esteve - é a questão de saber quais são so factores exógenos que permitem a qualificação de crime continuado.
Cleo:
Estes esclarecimentos sobre esta questão são excelentes, mesmo para um mero jurista!
Eu concordo com o JCR, a alteração não foi inocente e não deve ter sido motivada por questões jurídicas, tenho essa convicção.
Concordo com o exposto relativamente à necessidade da revisão da molduras penais para os crimes contra as pessoas, é que depois de aplicadas o sentimento geral é de que é muito pouco, o que contribui para este sentimento, que existe, de que não é possível realizar a Justiça.
bjs
Gostei da posição assumida e, como foi defendida; Mas sobretudo, apreciei a conclusão final, porque aí é que, pra mim, está o fulcrar da questão!
O nosso legislador continua a dar uma punição superior aos crimes contra o patrimonio, em detrimento dos crimes contra as pessoas e, sobretudo contra autodeterminação sexual. - haverá algo que marque mais alguem que ser vitima de uma violação? (é um crime para a vida!)- querem comparar essa dor com o ficar sem o belo do telemovel Nokia xpto? Essa é que é essa!´
Quanto ao crime continuado, é subejamente sabido que ja havia muita jurisprudencia a defender esta posição, mas que esta alteração veio simplificar muito esse entendimento e, que surgiu quase como o remedio santo para a "coisa" saiu...
Politiquices!
Bela lição de Direito Penal!!!
Se os "putos" da Faculdade de Direito "apanham" esta pérola... a problemática dos crimes continuados e a medida da pena é algo que não é nada fácil de apreender...assim "às primeiras"...
Parece que estamos todos de acordo: a alteração não foi inocente e, estranhamente, não tem "pai"...
O Código Penal tem esta pecha: protege mais os bens patrimoniais do que os bens pessoais.
Enfim, é o reflexo dos "valores dominantes" na nossa sociedade...
ola ola...
bem tenho andado um bocado demasiado ocupada para vir comentar os blogues, mas parece que la arranjei um tempinho...
noto que o blog continua muito informativo e que "discutem" temas da actualidade...
contudo continua incrivel e fantastico...
alias, cleopatra em si tambem é fantastica
beijos***
olá bom fim de semana.
Passei por aqui, gosta de dançar, é inteligente, justa quais sãos seus defeitos?( será que é feiota, não importa, a beleza é um risco uma cor)
É João. Sou feiota!!
Não se pode ser tudo isso e não ter um defeito.
Esse é o meu! ;)
Bom dia.
Parabéns pelo texto e pelo que nele pacientemente se explica.
Há só uma faceta que eu considero essencial e sobre a qual, se me permitem, importa reflectir: tratando-se de bens jurídicos «eminentemente pessoais», não mandará o respeito pela dignidade da pessoa, pela sua personalidade moral, que não haja o benefício da atenuação em caso de reiteração do ataque, ainda que haja circunstâncias exógenas que levariam a atenuar a culpa?
Será que o dever de abstenção não deve prevalecer como causa de censura de quem teve à sua mercê um ser humano?
Um abraço amigo e admirador,
jab
Boa postagem. Técnica mas simples.
Apache, parar para pensar...porque se pensa há muitos anos nisto. Por vezes é preciso não investir cegamente contra algo que, à primeira vista parece horrendo.
Há razões para pensar assim embora não sejam muitas vezes as que movem quem legisla.
Coutinho RIbeiro , JC, a alteração ou acrescento, ou desnecessidade legislativa, pode não ser inocente.
Mas ingénuo será ou é o legislador se, ao fazer "o acrecento" pensou que o facto de a vitima ser a mesma torna o crime continuado.
Não é essa triste coincidência que torna o crime continuado, são factortes que não dizem respeito nem à vitima nem ao arguido mas que vão acabar por influenciar a repetição do crime ...
Olá António.
Essa revisão de penas é que o nosso legislador não acha importante. É a cultura que temos.
Teresa...
ESta alteração não precisva lá estar.
Não é remédio santo para nada. A não ser que os nossos aplicadores da Lei fiquem de repente tótós!!
Desculpem a expressão.
OLá Cabral Mendes. Obrigada por ter gostado e ter lido.
Olá Joana. Volta miúda. Fazem falta cabecitas novas.
Olá Pecador, tens tempo para ler estas coisas??
E por ultimo para si Professor, um obrigada pela comentário.
E só um ponto: - A natureza humana é tão fraca...A natureza humana é tão complexa... A sociedade em geral é tão falha de valores...Os nossos bens eminentemente pessoais estão tanto pelas ruas da armagura...
Mas... NOTA:_ O facto de a vitima ser a mesma, não torna o crime continuado.
Não esquecer!!!
Não esquecer... há que usar e abusar.
Até outro desinstante descontinuado.
Para um leigo no que toca ao direito penal, a minha área é a economia, apenas poderei dizer que é por tudo isto que nunca entenderei bem o critério da justiça, que deveria aperfeiçoar-se e não afastar-se daquilo que todos os cidadãos esperam, ou seja, que a mão do legislador puna com rigor os crimes cometidos contra pessoas, em especial as crianças e não a sua diminuição, pois assim arriscamo-nos a pensar que até parece que o crime compensa.
Um beijo
pelos vistos estamos mesmo online :)
Não compensa Fernando.
Não compensa.
Mas as penas por vezes não têm a medida certa para chegar á medida da culpa.
Qto à economia, não sabia que um economista escrevia tão bem.
É a alma.É a alma a falar mais alto.
Cleo,
Se escrevesse bem hoje não estaria a trabalhar em orçamentos e projectos, auditorias etc, a escrita é apenas o meu reflexo do que me vai na alma, da dor, da alegria das vivências, do amor!
Beijos
De acuerdo contigo
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