Lá fora não. Havia um vento próprio de uma Primavera prometida que, contudo, tinha ainda restos de um Inverno inesperado. E, lá dentro, desde que fumar não era permitido no interior daquele café, o sol entrava e abria as janelas de vidro, grandes e largas.
Sentou-se. Não queria café. Apenas uma água limpida, transparente, natural...
O olhar atravessava os óculos escuros,como que a esconderem o pensamento. Não via o que queria, ou não queria ver? Ver é duro quando a realidade brinca de esconde esconde como criança que vai crescendo e a gente não quer.
-
Abriu o livro,...mas não. Nem ler conseguia. Encostou o queixo na palma da mão direita e, mais uma vez o olhar percorreu o caudal do Tejo. A corrente sempre na mesma direcção, o caudal sempre o mesmo apesar das marés... Que fora que mudara? Que raio de coisa mudara?
Não conseguia encontrar a razão....
Respirou fundo e uma serenidade enorme atravessou-lhe a alma. Era como se se abandonasse ao curso do rio...Havia barcos ao sabor da corrente, e o olhar desviava-se, continuava a olhar o curso do rio. Havia gaivotas que mergulhavam tontas e sôfregas de peixe, ... e olhar continuava a percorrer o caudal do rio... Havia pardais soltos no vento,... e o olhar procurava sempre o curso do rio....
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Abriu o livro, " A mulher Certa". Baixou o olhar à sorte sobre a página marcada..."O que quis ele dizer?...Se calhar que um homem só vive enquanto tem um papel a desempenhar. Que depois, já não vive, somente existe. Tu não podes compreender porque desempenhas um papel no Mundo...o teu papel é amares-me. Ora, está dito. Não me olhes assim de esguelha, furibundo. Se alguém ouvisse o que estamos aqui a dizer(...) ...uma pessoa má que visse a cena de fora e nos ouvisse, havia de acreditar que conversamos como dois cumplices....(...) Ri, isso...Porque só os dois é que sabemos a verdade sobre nós"...pag. 328
Fechou o livro e, recolocou o queixo na palma da mão direita. Teimosamente continuaria a olhar o curso do rio.
ACCB
Etiquetas: nos meus olhos
30 Comentários:
Quando se ama vive-se em permanente Primavera.
Gostei do teu texto,escreves bem e tens imaginação literária na minha modesta opinião.
Desejo-te um bom dia
Lobo das Estepes
Cleo...
Não me sai nada...Que força tem a tua escrita. Curvo-me.
Uma amiga minha interrompeu o Sétimo Selo para ler esse livro, e acho que, ela está a gostar muito... :))))
B*
O Sétimo selo do José Rodrigues do Santos?
Acho que depois da Filha do Capitão, não escreveu mais nada de jeito.
Mas quem sou eu?...
Ah Pois!!!! Não era o Sétimo Selo!!! Era o Rio da flores!!!! Ela disse que ia ler "A Mulher Certa" e depois, lá seguiria o rumo do rio...
::)))
Acabei de "dizer" à Nuvem e ao Pecador, aquilo que te vou dizer a ti...A vossa escrita é impressionante. Vocês descrevem as coisas mais simples com pormenores impressionantes. Eu Curvo-me perante vocês, e agradeço aprender tanto...
Agradeço.
Como disse a ele digo a ti:
Respeito e admiração!
A mulher certa só pode ser uma obra de ficção :-)
Acha JC??? A mulher certa é algo que acontece e nunca mais passa!
Sim? Onde?
Qdo menos espera!
Não se procura. Encontra-se.
É como o homem certo. Não estou a falar do homem perfeito, note!Esse não existe.
Quando encontrar, eu aviso. Até lá, fico na dúvida.
Ah, claro que não se procura...
AH! Também pode encontrar a mulher certa na Bertrand ! É da D. Quixote!
"Se calhar que um homem só vive enquanto tem um papel a desempenhar. Que depois, já não vive, somente existe. Tu não podes compreender porque desempenhas um papel no Mundo...o teu papel é amares-me."
Desde que as mulheres passaram a mandar no mundo, as coisas simplificaram-se: o papel dos homens é amarem as mulheres.
Já houve um tempo em que os papeis estavam invertidos.
Duvido que em algum dia os papeis sejam iguais para os dois.
É esse papel que os faz viver. Se não têm esse papel, ... simplesmente existem.
Ou melhor, se não amam a mulher certa,...não vivem. Existem apenas.
ai.....lá vem chuva!
Tal como os homens antigamente, as mulheres, hoje, querem ter um tipo que as ame. Que esteja sempre lá. E que sintam que vivem apenas porque amam.
Não.
Nada como os homens antigamente.
Os homens de hoje são como os de antigamente.
Querem uma mulher que os ame à maneira deles. Nunca à maneira delas. Querem que elas existam por eles e para eles...
Não...não é nada disto...
Nem nada disso...
É simplesmente Isto:
Quem ama a pessoa certa VIVE.
Se assim não é...limita-se a existir. E, por vezes passa a vida sem se aperceber de que apenas existe, ...existiu.
Bem, finalmente percebi :-)
Já não se trata apenas do amor que os homens devem às mulheres. Também se fala do amor que as mulheres devem aos homens.
JC,...lá estamos nós em desacordo ;)... o Amor não é uma divida. É um dar e receber recíprocos.
Ou é divida...Pois que o casamento também é contrato... pois... pensando bem...
Pois. É, o casamento é um contrato. Onde se fala de débito (e crédito) conjugal :-)
E O Amor., é um débito ou um crédito? Ou melhor: -é um dever ou um direito?
É uma prestação fungível ou infungível?
Ou não é nada disso?
è uma reacção hormonal e ponto final.
Ou é um sentimento e quanto a isso, batatas?
Definitivamente hoje é o dia dos rios (para mim), três blogs visitados três historias envolvendo rios, mais um belíssimo texto que me foi dedicado pelo Klatuu, também ele passado num rio.
Voltei; Alive & Kicking
Fica Bem!
Hum... que discussão tão interessante. A Cleópatra parece estar em vantagem. A mulher certa existe mesmo. Vende-se na Bertrand!
:)
Quanto ao ‘post’, muito bom.
“Fechou o livro e, recolocou o queixo na palma da mão direita. Teimosamente continuaria a olhar o curso do rio.” Gosto da pose e da teimosia.
:)
“Quem ama a pessoa certa VIVE.
Se assim não é...limita-se a existir. E, por vezes passa a vida sem se aperceber de que apenas existe, ...existiu.”
Eu não diria tanto. A vida é feita de tantas paixões que nos envolvem que reduzir a força da vida ao Amor por outra pessoa me parece limitativo. Com isto não quero, obviamente, retirar a importância que este amor tem, bem pelo contrário. Só não quero esgotar a vida nele.
Já agora, li com muito interesse o “debate” sobre a mulher certa e os débitos e créditos no amor. Sobre isto gostava de dizer que para mim, toda a relação (e não falo apenas da relação amorosa) é como uma balança: umas vezes pende para um lado, um dá mais ao outro, e vice-versa. É o equilíbrio. Não têm que estar sempre a ver a conta corrente. É uma coisa que fluí naturalmente quando se gosta muito de alguém. Nas situações em que um dá mais do que se recebe, sempre ou quase sempre, a tendência é para começar a descompensar e invariavelmente a relação acaba.
apache: a Cleo está a ganhar e vai ganhar. Para ser de outra forma, teríamos de fazer confluir conversas privadas com conversas públicas. :-)
que bela peça literária. A "Mulher Certa" é tambem um livro que aconselho vivamente, um trtado das paixões e da alma.
Que buen post y que buena discusión!
Me gustó el nivel y el respeto de un diálogo que suma.
Cleopatra , se nota que sos una mujer inteligente.
Beijos
Cleopatra, tão querida quanto sumida, falas docemente de amor....
Bjs do ZC - Brasil
Nem eles conhecerão a verdade sobre eles próprios.
Boa discussão!
Parece um drible! Sem Paraty, nem Paramim, nem Paraninguém, note-se! Felizmente!
Gostei muito do texto!
E quem acha que a mulher perfeita não existe (independentemente da que se vende na Bertrand) é porque nunca a encontrou! ;)
"Teimosamente continuaria a olhar o curso do rio."
Com a teimosia que só quem sabe muito bem o que quer, pode ter.
Beijos
Não se deixe enganar pelo falso canto de certas sereias, Cleo... V é que tem razão: "A mulher certa é algo que acontece e nunca mais passa!" - eu um dia explico-lhe à mesa de uma esplanada, com vista para o muito nosso Tejo...
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