Porque "pelo sonho é que vamos".............................
A Cleópatra , a Fanny e o JM Coutinho Ribeiro juntaram-lhe a sua voz, a sua emoção, a sua arte na escrita.
Fica aqui o desafio... quem mais se junta às nossas mãos e escreve...
«Ela/Ele gostaria de lhe dizer...»
Pintura: Debra Sievers , 'Twilight Dream'
Ela gostaria de lhe dizer que sabia que um dia ele viria. Mas, ainda que ela não lho diga, ainda que ele não o suspeite, ela sabia-o. Ela viu-o vezes incontáveis no espelho reconstruído no seu peito, estilhaço a estilhaço, memória do antes do tempo que se soma e se diz em relógios de água. Por ele aprendeu a ler o voo das aves, a adoçar o sal das esperas líquidas. Aprendeu palavras poderosas com magas e a sabedoria das serpentes, quando as olhou fixamente e, sem receio, trincou a maçã. Por ele... ela vendou os olhos e escreveu sobre tempestades. Por ele... ela esculpiu espirais nas areias e mordeu cerejas, num ritual de iniciação ao prazer adivinhado. Por ele... ela ofereceu ao luar a suavidade das palmas das mãos... onde linhas se entrelaçaram em monogramas e momentos de vida a dois. Por isso ela gostaria de lhe dizer que conhecia o vulto dele, que pressentia o seu odor e sabia da doçura quente dos seus dedos na sua pele. E sabia da ferocidade e avidez com que se amariam quando os olhos se tocassem. Ela gostaria de lhe dizer que sabia que um dia ele viria...
Ni*
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Ela gostaria de lhe dizer que no mais fundo da sua alma sabia que ele um dia viria.
Ela gostaria...
ACCB
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Pintura: Pino Daeni, 'Angelica'
Ela gostaria de lhe dizer que sabia que um dia ele chegaria, qual brisa amena em noites de Verão. Mas apesar de não lho dizer, sabia que ele adivinharia os seus murmúrios na voz do vento, zéfiro amoroso das constelações que percorre galáxias de sonho e inunda as estrelas de vida e sorrisos.Ela gostaria de lhe dizer que nascem auroras nos olhos da noite quando a reminiscência a abraça no silêncio das horas e lhe revela segredos das estrelas... que o orvalho das madrugadas traz o paladar das suas lágrimas perdidas no suspiro fortuito do seu coração. E o aroma da Lua? Como explicar-lhe que Ela veste o perfume inquieto dos pensamentos dele, incensos balsâmicos de saudade a impregnar-se nos sentidos da sua alma?Ela gostaria tanto de lhe dizer que acaricia as letras que escorregam dos seus dedos de vento e se encontram no oásis dos astros poisando como plumas no âmago do seu ser... metáforas azuis esvoaçantes que cintilam entre fragrâncias cálidas de jasmim e brisas etéreas, transparentes de desejo e afecto.Muitas pedras os separam, muitos castelos em ruínas... muitas vidas resguardam tantas recordações adormecidas...Subsiste a esperança, esse alento intrínseco que tudo move. Relatos silenciosos do cosmos ultrapassam a distância dos mundos... grito alucinante no peito que ecoa no mesmo céu e une almas... num laço [e] terno.Ela sabia que ele viria e quando os seus olhares se tocassem, eles beijariam a memória ancestral da mesma saudade, o deserto das suas existências dissipar-se-ia com as brumas da espera... semeando flores de ternura no jardim dos seus corações... espargindo cânticos de eternidade pelo universo.Ela gostaria tanto... tanto...
Fanny
Ele gostaria de lhe dizer que sabia que um dia ela viria, mas como tudo não passava de intuição, ficou-se pelos seus silêncios, pelo olhar vago e até um sorriso de desdém, tantas vezes de viés, reflectido no espelho gasto da enorme sala onde passava os seus dias de solidão, a solidão que ia descontando no tempo, envergonhada solidão de fidalgo cansado, a barba rala, os olhos afundados, testa enrugada, um leve tremor dos lábios quando as pombas tontas batiam as asas no peitoril da janela e voavam. Para lá. Os relógios quietos de tanta espera eram mudos, encolhidos, assustados pela tempestade que vinha, sentia-se o cheiro dela, viva, as árvores do pomar inquietas, o céu escuro praticamente ausente, e o fildalgo de olhar de viés, temendo a magia das serpentes que não eram a não ser na imaginação delirante, que se estendia para lá dos vidros convenientemente baços pela usura e pela falta dela. Sentou-se ele, à espera dela. Fumava um cigarro. Bebericava um copo de vinho tinto, sabor intermitente, um copo que sugeria um corpo de mulher, prazer adivinhado, palmas das mãos suaves que ele imaginava no corpo dela, se ela viesse e entrasse, ali, o corpo húmido dos cansaços e do que tinha aquietado os relógios e as pombas e tornado os pomares inquietos e as serpentes que obviamente não eram, estilhaços apenas do que ele via através do espelho da sala grande. Estilhaços de um vulto. De um vulto. Um esboço que, pouco-a-pouco se desenhava, coisa estranha, mescla de várias coisas que enrugavam o rosto esculpido do fidalgo que amava as tempestades através dos vidros baços, e só através deles, porque ele nunca saía, não por causa das serpentes - era o abutre e o milhafre e os fantasmas - e ele adormeceu, sentado na velha poltrona e dormia quando ela entrou, mansa, o corpo firme, o olhar doce, odor de pomar inquieto e ele acordou e recolheu-a num abraço e num beijo, sobretudo num beijo, obra que parecia inacabada. Inacabada. Mesmo quando ele desceu dos lábios cheios, do peito, rasto de saliva, os pés. Ela veio.
JM Coutinho Ribeiro
Etiquetas: Desafios
4 Comentários:
Qualquer beijo é uma obra inacabada...........porque há sempre mais!
Ei, ei, o texto original não tem parágrafos... :-)
...Pelo sonho é que vamos e pela palavra é que somos...
...
Gostei imenso deste conjunto de textos. Sorri ao vê-los aqui...
Ora cá estão os textos que a Ni provocou. ;)
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