CleopatraMoon

Um Mundo à parte onde me refugio e fico ......distante mas muito próxima.

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Sou alguém que escreve por gostar de escrever. Quem escreve não pode censurar o que cria e não pode pensar que alguém o fará. Mesmo que o pense não pode deixar que esse limite o condicione. Senão: Nada feito. Como dizia Alves Redol “ A diferença entre um escritor e um aprendiz, ou um medíocre, é que naquele nunca a paixão se faz retórica.” Sou alguém que gosta de descobrir e gosta de se descobrir. Apontamento: Gosto que pensem que sou parva. Na verdade não o sou. Faço de conta, até ao dia em que permito que percebam o quanto sou inteligente.

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sábado, agosto 12, 2006

Um conto só para adultos

Tinham-na convidado para o baile de máscaras naquele ano.
Não que lhe apetecesse ir, mas assim que soube que ele estaria lá , o coração disparou e não resistiu.
Tinha de lá estar também.
O único problema era reconhecê-lo no meio de toda aquela gente.
E ele iria reconhecê-la?
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Lembrava-se daquele carnaval em Veneza.
Tudo era tão fora de época ou transportado para uma época diferente.
Percorrera as ruas ao som de violinos e pianos e cruzara-se com desconhecidos de máscaras em frente de rostos, mas a mão dele na dela, sempre e ao longo dos canais e ruas estreitas bordadas de varandis floridos, dera-lhe sempre a certeza de que ele estava ali... sempre estaria ali.
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Coisas de tias! Um baile de máscaras! E a rigor!
Lembrou-se do vestido que envergara em Veneza.
Não. Não iria levar esse.
Era demasiado quente, demasiado pesado e era conhecido...por ele.
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Vermelho. Iria de vermelho. Um vestido de seda brilhante vermelha que lhe envolvia o corpo e revelava as formas.
Vermelho era sua cor preferida. Lembrava-lhe tango, paixão, sexo... crime...
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Sorriu para o espelho na sua frente e pensou:
- Mente perversa...Já estás a engendrar vinganças.
Ela também iria. Gorda e patética...
- És perversa mesmo. Como podem achar-te boa pessoa?
Sim, porque a outra nunca poderia enfiar-se dentro daquele vestido vermelho de decote em v que lhe descia as costas e revelava a cintura em exagero.
O outro... o outro também iria...Estaria mais magro? Estaria mais velho?
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Também ele estivera em Veneza mas sem o deslumbramento das máscaras, num tempo em que os canais cheiravam mal e a cidade não tinha o som que nenhuma cidade tem. ( Seria assim?)
No tempo em que as ruas eram sujas e a cidade não tinha restaurantes à beira do Rialto...
Num tempo em que ele fora não com ela, mas com a outra... a patética.
Por isso Veneza não era Veneza.
Mázinha!!!
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Qdo ela fora a Veneza... o som da cidade era inegualável.
Nenhuma cidade tinha aquele som.
O som do piano ouvia-se em cada esquina e ganhava melodia com a proximidade dos canais. Os restaurantes serviam vinho branco que deslizava pela garganta e refrescava a alma. As Gôndolas transportavam os apaixonados a um mundo onde o Amor tinha tempo para si próprio, a um tempo onde o tempo não existia...
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Pegou na máscara que usara... também ela era vermelha. Ficaria "a matar" com o vestido....comprido, justo, de seda, vermelho....E mais uma vez a imagem de crime lhe veio à mente.
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- Perversa - pensou - poderias escrever um livro policial. Mas o que tu queres é ver-lhes os rostos sem que te vejam. E sapatos?? Sandálias altas, abertas, de salto de metal prateado e de tiras ora vermelhas ora de prata... Nos pés magros e esguios.. uma arma de vaidade e luxúria.
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Perfume... o que ele gostara... sempre gostara de lhe sentir... talvez pelo perfume a voltasse a conhecer....E o outro? Não.. o perfume seria o outro....Sexy... sensual... atrevido, com história de pecado.

A noite chegara.
Fora sozinha.
Sozinha dava-lhe mais gozo.
Sentia-se terrivelmente perversa, terrivelmente terrivel. Entrou com a máscara em frente ao rosto.
Os olhares voltaram-se discretos.
Não admirava... vermelho é uma cor chamativa...
As luvas também vermelhas cobriam-lhe as mãos.
Não a poderiam reconhecer. Ninguém conhecido por enquanto também! Estavam todos de rostos tapados!
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Foi então que o viu. Sempre com aquele ar de misterioso silêncio. Ficava-lhe sempre bem o fato escuro no corpo magro. Não era muito alto, mas podia usar aquelas sandálias de saltos enormes ao lado dele. Impecável... ar sereno e observador, não que não fosse ligeiramente tímido... mas era charmoso. Muito, muito charmoso.
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Não queria que a visse... Aquela história da máscara veneziana dificultava à brava. Não se podia afastar da cara nem descansar a mão que a segurava. Os homens apenas tinham colocado uma preta. Era mais fácil para eles.
Era sempre tudo mais fácil para os homens.
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A sala enchia-se de som e os salgadinhos começavam a rodopiar por ali. Mais uma dificuldade para quem tem de usar máscara e tê-la sempre na mão.
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Num olhar de relance viu-a entrar. Gorda e patética. Com ar de quem não parte um prato...
- Sonsa!
Pensou:...
- bonito vestido! Preto para adelgaçar... Não vai mal. Usa sempre preto! Está sempre de luto... por ela própria!
Ao lado vinha o outro. Mais velho, mais magro ou menos gordo. Elegante e de preto também. Ela era inconfundível. Aquele seu andar roliço... e ele... o aroma ao mesmo perfume de sempre... ele também era inconfundível.
Fingia-se feliz... sorria para todos e principalmente para todas....
Ela suportava os sorrisos... fingia que era a eleita... a escolhida... e era! Elegera-se!
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Do outro lado da sala lá estava ele. Não resistiu e passou-lhe por perto deixando no ar um aroma a pecado que não fora nunca dos dois. Não a reconheceu. No olhar ficou apenas um vermelho rápido e esbatido, de fugida... como uma brisa súbita e rubra.
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As escadas apelavam a uma subida para apreciar do alto, como da ponte do Rialto, toda a sala onde máscaras e máscaras desfilavam.
Sorriu.
Nunca usara máscara e naquela noite não a tiraria nem por nada.
Lá em baixo o charme os cumprimentos e a música misturavam-se entre os segredos e as surpresas.
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Ele permanecia sózinho. Sempre fora seu.... sempre fora sua. Mas alguém achara que tudo era uma farsa. Alguém achara que era impossível amar assim. Alguém achara que o amor não se divide...que não se pode amar e ainda assim amar...E os separara... para , pensara, poder ser feliz...
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Uma taça de cerejas exibia o seu vermelho carnudo entre outras frutas... Era uma taça enorme com suporte de gelo... havia morangos também entre verdes de kiwi e dourados de ananás e manga.
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Sorriu.. o outro adorava cerejas...adorava cerejas...............
Alguns rostos olharam para cima... seria melhor descer. Entre o vestido e a tapeçaria só, ao longe os seus cabelos negros se destacavam. Uma simbiose perfeita para quem não queria ser visto, como num passe de mágica......
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Reparou que ele arranjara companhia e conversava sorridente enquanto mastigava qualquer coisa que não eram cerejas, de certeza.
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Os outros deslizavam... bem, deslocavam-se pela sala.
Descera as escadas. aproximou-se dele, do outro, ... com o perfume com cheiro a pecado e sentiu que ele fora arrancado dali para o passado.
Afastou-se até à varanda, não sem levar atrás de si o olhar dele....
A patética ficara numa conversa social... e já se apercebera de que ele se ausentara... ou pelo menos a alma ausentara-se.Também outro olhar a seguira... mas nenhum deles se movera.
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Uma lágrima rolou-lhe pela face. Que fizera para estar ali só, sem o homem para quem com ela Veneza fora tudo e, sem o outro homem que nunca soubera que em Veneza se pode ter tudo.
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Uma voz soou sobressaltando-a. O coração acelerou o ritmo.
Um "boa noite" abanou-lhe o pensamento e a vontade. Sorriu apenas ligeiramente.
-Acho que nos conhecemos.
Tentou mudar o tom de voz e respondeu:
-Talvez, quem sabe.
Sempre o mesmo. Metia conversa com toda a gente.
- Provavelmente a sua mulher não vai gostar de saber que já nos conhecemos.
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O outro não sorriu mais. Conhecera-lhe a voz e associara-a ao perfume que inibriava o ar.
- Aqui? Não esperava.
- Eu esperava. Há muito tempo.
- Ele também está aí. Continua sozinho. Sabias?
- Foi assim que a tua mulher nos deixou a todos - sózinhos. A ela também!
- Sempre irónica...
-Sim , mas hoje alguém vai ficar ainda mais sozinho... E juro-te que eu deixarei de estar sozinha.
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Afastou-se sorrindo não sem lhe sussurrar:
- Já aprendeste a amar? E a separar as águas?!
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A noite decorreu calmamente entre conversas sorrisos alguns passos de dança e um encontro imediato com ele. Nos braços um do outro, ela silenciosa e de máscara colada ao rosto, recordava como era bom dançarem. Só eles os dois sabiam dançar assim.
- Faz-me lembrar alguém - comentara ele apenas. Sorrira-lhe e nada dissera.
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As frutas começaram a ser servidas...
- Queres cerejas? - perguntou-lhe o outro aproximando-se
- Quero. É engraçado saber que só nós os dois sabemos que estamos aqui. Ironia estranha! A tua mulher vem para aqui...
- Queres cerejas? - apressou-se ele a oferecer-lhe, à eleita. As mesmas que lhe oferecera antes a ela. Sempre o mesmo morto de raiva de viver com ela e morto de impotência de a deixar. De medo de ser descoberto. Sempre o mesmo a oferecer à mulher o que queria oferecer-lhe a ela.
- Oh.. cerejas..,adoro....Que vestido bonito - comentou a outra dirigindo-se-lhe.
Voltou as costas. A voz iria denunciá-la. Não queria que assim fosse.
.
- Morangos? - Era ele
- Sim morangos.. - sussurrou.
Ele estremeceu...
- Como em Veneza?
- Sim... como em Veneza.
- Eu sabia que eras tu. Quando dancei contigo.
- Eu sabia que vinhas.
- Ficas...
- Aqui?
- Comigo... ficas?
- Como em Veneza??
- Sim. Como em Veneza.
.
Alguém se engasgara e vertera na aflição a taça gelada das cerejas... Era ela, a eleita.
-Um médico! - alguém pediu.....
O outro debruçou-se aflito. A outra estava engasgada de cerejas...as cerejas que ele gostava. O outro engasgado com a aflição dela...
.
Tiveram de sair à pressa como sempre.... A festa continuou... A Vida continuou... mas ele nunca podia acompanhar a vida... era patético... saíam sempre antes de todos... Por causa dela.....
.
- Ficas? - perguntou ele novamente interrompendo-lhe o pensamento e o olhar.
- Aqui?
- Sempre. Comigo.
- Como em Veneza??
- Sim....queres morangos?
-Com vinho branco???
.
Olhou para a porta.. uma ambulância estava a chegar.
Não resistiu e abeirou-se dela... tirou a máscara e sorriu-lhe. A outra deixou de tossir. Então murmurou-lhe baixinho olhando-a nos olhos:
.
- Veneza é para os apaixonados, para quem ama de verdade. Há máscaras que nunca se devem tirar e, o Amor,... é, como disse alguém, o único sentimento que se pode dividir e mesmo assim multiplicar......e que nunca se pode comprar.
..
.
Comentou-se mais tarde num diz que disse intriguista e maldoso, que a taça de cerejas estava envenenada...quem teria feito tal coisa?
Algo tinha sido lançado do cimo das escadas...caíra direitinho dentro da enorme taça.
Tinha sido lançado por alguém, ninguém sabia quem...não havia impressões digitais...não havia marcas...Mas juraram que havia um aroma a pecado no ar.
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Ou seria uma cor de paixão?Ou seria um som de Veneza? Ou seria a máscara da vida?
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ACCB - Julho 2006

Para vosso sossego, a outra engasgara-se apenas com as cerejas. As mesmas que o outro adorava.

^^^

Dedico esta história a uma grande amiga. Ela sabe quem é.

*

O desafio nasceu aqui:

http://darksidemorgana.blogspot.com/2006/07/simply-red-2-querem-contar-histria.html

9 Comentários:

Blogger Brandybuck disse...

Ou seja, a vingança além de fria serve-se com cerejas...

10 agosto, 2006  
Blogger Apache disse...

Acho que já li algures este belo conto.
Ainda bem que eu também prefiro os morangos às cerejas, safa!

11 agosto, 2006  
Blogger redonda disse...

Gostei muito da história. Fiquei presa a ler para saber o fim.

15 agosto, 2006  
Blogger M@nza disse...

Cleo
O texto aqui apresentado é muito interessante, mas numa primeira leitura até parece tratar-se de um "SWING", mas depois lendo melhor chega a confundir-se quem é o "ele" e quem é o "outro". Será que estiveram todos em Veneza no Carnaval e "eles" tiveram um caso?? e agora estão a repeti-lo neste baile de máscaras?? Muito interessante. Esclareça-nos lá Cleopatra.

30 agosto, 2006  
Blogger Cleopatra disse...

Não é swing nada!!!

O mais que pode ser é slow ou pode ter sido, um tango!!!

Qual swing!
Atrevidinho o Manza!!!
Saiu-me melhor que a encomenda!!

01 setembro, 2006  
Blogger Apache disse...

O Manza esteve muito tempo na parada, exposto ao sol, agora até confunde as músicas... ou será que passou a fazer parte da banda e está a tentar dar-lhe música, Cleopatra?

05 setembro, 2006  
Blogger Claudia Sousa Dias disse...

Ah...!! O pecado do fruto proibido...!

Recomendo: Hypnotic Poison de Cristian Dior com o vestido vermelho.


Bjs

CSd

05 setembro, 2006  
Blogger Cleopatra disse...

Bem Apache... provavelmente,... o Manza é que terá de dizer que música é que dança!!!

Isto quem se mete com guerreiros!....
Ai eu!!...

Hypnotic Poison de Cristian Dior ....
Por acaso não era esse que eu recomendava, mas não está mal lembrado não senhor!

05 setembro, 2006  
Blogger M@nza disse...

Caro Apache
quem vê novelas é o amigo, pois que gosta de Morangos com (ou sem) açucar??
Quanto à música eu sou maestro e o amigo é apenas um elemento na partitura. Se quiser pertencer à Banda inscreva-se pode ser que lhe calhe os "pratos".
Peço desculpas Cléo por este atrevimento no seu Blog.
um bjo

06 setembro, 2006  

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