sexta-feira, maio 09, 2008

QUIA AMO
São oito da noite e tu não chegas.
Continuo sentado à beira-rio enquanto lá em cima, na vila, a cal se despede do sol que só voltará amanhã.
O ar tépido beija-me a pele e o silêncio veste-se das pequenas intermitências de uma rã que salta para o rio ou de dois patos que recolhem à margem. São anos de cartas que trago na mão embrulhadas por um cordel velho.
Eu, que quis gritar a liberdade, prendo agora a minha vida com um cordel... Uma das cegonhas desce do cimo da torre e paira sobre o rio, voando rente à água e cruzando-me a vista por duas vezes. A tarde cheira a feno e a águas mansas.

Tu não chegas e eu começo a temer que não me dês a oportunidade de te oferecer a minha vida assim, amarrada com um cordel.

É feita de papéis amarelecidos mas escritos com tanto amor. O Guadiana sopra baixinho murmúrios de amores passados e a tarde abraça-me com ternura. Não sei se vens.

Também não sei se te devo entregar estas cartas. A quem interessam as epístolas de um advogado de 26 anos?
Levanto-me e deixo que o sol se recolha no Guadiana em privacidade. O meu corpo é demasiado profano para aqui continuar presente. Se chegares já não me encontrarás. E se não me encontrares é porque já chegaste tarde. As cartas ficam. Não esperam por ti sentadas à beira-rio. Antes se dissolvem nas águas mansas entre farrapos do crepúsculo.
-

2 comentários:

  1. Seguramente encontrarias por essa internet fora textos de qualidade bem superior para aqui publicares...

    Fico-te, pois, agradecido por este gesto tão bonito.

    ResponderEliminar
  2. A qualidade para mim , existe na proporção do que o texto me faz sentir. Assim sendo, este é MUITO BOM.

    ResponderEliminar

os escribas disseram