quarta-feira, março 19, 2008


Só porque esta noite chove lá fora e são 2h28 e eu continuo teimosamente a tentar trabalhar .


Os segredos de amor têm profundezas difíceis de alcançar,
tal como a chuva que hoje cai e nos molha na calçada a face,
nós olhando triste uma saudade imensa
num corpo de mulher metamorfoseada.

Sou demasiado são para me esquecer
do tempo apaixonado que vivi nos teus braços
e bebo no teu um coração meu
adormecido no mar do meu cansaço
ou no rio das minhas secas lágrimas.


Tardará muito, se é que as horas contam,
ver-te, de novo, perto de mim, longe,
mas eu espero, sou paciente e, no meu canhenho, aponto,
um dia a menos, o da tua chegada.
E assim me fico, rente ao horizonte,
abrigado da chuva
numa cabine telefónica,
e ligo para ti - que número? - ninguém responde
do oceano que avança e retrai colinas,
o vulto de um navio, tu na amurada
acenando um lenço, ó minha pomba branca!...

Como se tempestade houvesse e um naufrágio de chuva
- as vidraças escorrem, as árvores liquefazem-se...-
escurecendo os teus cabelos,
ou, se preferes, a minha boca neles
carregadas de ilhas, de nocturnos perfumes
que ateiam lumes, ó minha idolatrada,
na minh'alma inquieta um outro bater d'asas
ou num jardim um leito de flores!...

Junho de 1977


RUY CINATTI

7 comentários:

  1. Pelos vistos somos dois escravos do trabalho, eu fiquei um pouco até mais tarde e eram 4:10 quando fui para "vale de lençóis" e a chuva não havia meio de abrandar!
    Um beijo
    Fernando

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  2. Confesso que, cheguei a pensar serem tuas as palavras...

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  3. Fernando, sabe tão bem ouvir a chuva.

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  4. Narrador, confesso que quando as leio quase as sinto minhas. Vaidades!

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  5. Por vezes sabe bem ouvir a chuva no silêncio da noite... essa musicalidade que nos entorpece...
    Já não me lembro aquando da última vez...
    Jinhos

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  6. Tem piada, a essa hora também estava a ler, e a ouvir a chuva a cair aqui em Telheiras...

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  7. A chuva... quem a sabe escutar pode estar em uníssono...ou encontram outra palavra?

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os escribas disseram