quarta-feira, maio 02, 2007

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá ( continuação)






"Em torno era a Primavera, o sonho de um poeta. O Gato Malhado teve von­tade de dizer algo semelhante à Andorinha Sinhá. Sentou-se usou os bigodes, apenas perguntou:
— Tu não fugiste com os outros?
-Eu? Fugir? Não tenho medo de ti, os ou­tros são todos uns covardes... Tu não me po­des alcançar, não tens asas para voar, és um gatarrão ainda mais tolo do que feio. E olha lá que és feio...
— Feio, eu?
O Gato Malhado riu, riso espantoso de quem se havia desacostumado de rir, e desta vez até as árvores mais corajosas, como o Pau Brasil — um gigante — estremeceram.

Ela o in­sultou e ele a vai matar, pensou o velho Cão Dinamarquês.

O Reverendo Papagaio — reverendo por­que passara uns tempos no seminário onde aprendera a rezar e decorara frases em la­tim, o que lhe dava valiosa reputação de erudito — fechou os olhos para não testemu­nhar a tragédia.
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Por duas razões: por ser emotivo, não lhe agradando ver sangue, me­nos ainda de andorinha tão formosa, e por não desejar servir como testemunha se o crime chegasse à justiça, maçada sem ta­manho, tendo de decidir entre dizer a ver­dade e arcar com as conseqüências da ira do Gato Malhado — processo por calúnia, umas bofetadas, o bico arrancado, quem sabe lá o quê — ou mentir e ficar com fama de co­varde, de cúmplice do assassino. Situação difícil, o melhor era não testemunhar.

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Em troca rezou pela alma da Andorinha Sinhá, ficando em paz com a sua consciência, uma chata cheia de exigências.

A própria Andorinha Sinhá sentiu que exagerara e, por via das dúvidas, voou para um galho mais alto onde ficou bicando as penas num gesto de extrema faceirice.

O Gato Malhado continuava a rir, apesar de se sentir um tanto ofendido. Não porque a An­dorinha o houvesse tachado de mau e sim por tê-lo chamado de feio, e ele se achava lindo, uma beleza de gato. Elegante tam­bém.

— Feíssimo... — reafirmou lá de longe a An­dorinha.
— Não acredito. Só uma criatura cega po­deria me achar feio.
—Feio e convencido!
(...)

Mas a Andorinha, enquanto a retiravam, ainda gritou para o Gato:
— Até logo, seu feio...
Foi assim, com esse diálogo um pouco idio­ta, que começou toda a história do Gato Ma­lhado e da Andorinha Sinhá.

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Em verdade a história, pelo menos no que se refere à An­dorinha, começara antes.
Um capitulo inicial deveria ter feito referência a certos atos an­teriores da Andorinha.
Como não posso mais escrevê-lo onde devido, dentro das boas re­gras da narrativa clássica, resta-me apenas suspender mais uma vez a ação e voltar atrás.

.É, sem dúvida, um método anárquico de contar uma história, eu reconheço. Mas o esquecimento pode ir por conta do transtorno que a chegada da Primavera causa aos gatos e aos contadores de histórias. "


( Continua ...)

3 comentários:

  1. "Continua..."
    Esperemos que sim!

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  2. "...É, sem dúvida, um método anárquico de contar uma história..."
    (continua)

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  3. continua...
    Continua pois. Vão ver!
    Ou melhor, leiam o livro!

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os escribas disseram